sábado, maio 28, 2005

Problemática das Relações na Era Moderna.

[Os temas maioritários deste blogue são o amor, mas acima de tudo as relações humanas. É disso de que eu gosto de falar. Bem ou mal, não sei, mas sei de que gosto e é isso de que eu me sinto bem a falar. Este texto é uma espécie de 'mix' entre tudo o que está mais ou menos perdido neste blogue e aquilo que nunca disse]


As realidades mudam muito ao longo dos anos. Mudam tanto que às vezes torna-se difícil acompanhar as mudanças existentes no seio do tecido social.
A industrialização acabou por marcar uma nova etapa deste nosso mundo. As realidades sociais jamais seriam as mesmas.
A vida tornou-se mais rápida e todos nós vivemos de uma forma, ou outra, sempre a correr. Cada vez temos menos tempo para dedicar àquilo de que realmente gostamos, e acima de tudo, temos cada vez menos tempo para dedicar a quem gostamos. O pouco tempo que temos dedicamos à inércia ou a dormir para descansar da correria que a sociedade de hoje em dia nos obriga a viver.
Não só a sociedade tornou-se mais rápida como também novas formas de pressão afectam os indivíduos. Sentimos a pressão todos os dias, ao longo da nossa vida hoje em dia. Se tal realidade antes da industrialização era rara, hoje em dia tal facto não se pode dizer. Todos os dias, desde que nascemos, somos pressionados para atingir demasiados objectivos. Temos que atingir realidade X até à idade Y de maneira Z. É mais que óbvio que no decurso da nossa vida não conseguiremos atingir alguns desses objectivos que nos são impingidos pela realidade. Acabamos por nos sentir profundamente frustrados por não atingir alguns desses objectivos. A frustração pode resultar da nossa simples consciencialização de não ter conseguido atingir o objectivo em questão, ou então da simples comparação com outras pessoas que rodeiam a nossa vida. O saber que a pessoa X que tem a nossa idade já atingiu Y e que nós ainda nem lá chegámos, nem sabemos quando iremos lá chegar, basta para nos sentirmos mal, e nessa medida frustrados.

A pressão social faz-se sentir também a nível das nossas relações no dia-a-dia.
Somos todos os dias bombardeados de imagens estandardizadas de como ser perfeito, ter uma relação perfeita e viver um amor feliz para o resto da vida. A típica imagem dos filmes americanos. Estudar, ter um bom emprego, casar, ter dois filhos, um cão e viver numa casa grande. Contudo, esta realidade está cada vez mais a mudar. Não só as pessoas cada vez menos se casam como a típica imagem do casal perfeito deixa de existir hoje em dia, com as uniões de facto, etc.

A maneira como vivemos a correr a nossa vida, e o nosso dia-a-dia, deixa-nos pouco tempo para conhecer quem nos rodeia, ou pouco tempo para conhecer pessoas novas.
Nessa medida as pessoas procuram coisas, ou realidades, que permitam efeitos mais ou menos imediatos – Fast Happiness.
O crescente aumento de relações descartáveis como remendos para as carências ou falhas emocionais é algo profundamente sintomático da realidade hoje em dia. Não quer dizer que isso seja mau, longe disso, acho simplesmente que é algo mau fazer dessas relações a base do nosso dia-a-dia.
As pessoas procuram estabelecer uma relação simbiótica com alguém através dessas relações, quando na realidade as relações simbióticas não nascem de algo 'fast'. É algo construído ao longo do tempo. O construir as nossas relações única e exclusivamente na base 'descartável' pode levar a profundas frustrações emocionais. As pessoas andam a tapar as suas feridas e carências com pensos rápidos. Isto pode levar a que as pessoas acabem por cair numa espécie de ciclo vicioso. Sempre à procura da próxima relação descartável e que ela traga a felicidade no seu interior. Algo que eu duvido que possa acontecer, mas não impossível.

O estabelecer uma relação de simbiose com alguém, isto é, estabelecer uma relação de profunda empatia com alguém, é algo que é construído ao longo do tempo. Pode sempre haver um 'click' entre dois seres que se conhecem de uma forma mais ou menos fugaz, claro que sim, porém, normalmente esse 'click' tem que ser trabalhado ao longo do tempo para que se possa conhecer a pessoa profundamente e se estabeleça uma forte ligação entre ela e nós. Uma relação de simbiose entre dois seres, onde um conhece perfeitamente o outro e vice-versa.
Uma relação simbiótica é então fruto de uma construção entre dois seres ao longo do tempo, sobretudo sem pressa em querer atingir o seu estado final, digamos assim.
O facto de se ter tido várias relações no passado, descartáveis, ou não, pode ser importante para criar esta relação simbiótica entre dois seres. Deste ponto de vista acho então que se pode dar alguma importância às relações fugazes.
O experienciar de múltiplos estilhaços emocionais em relações vividas outrora pode proporcionar uma maior ligação entre duas pessoas, e acima de tudo, proporcionar uma maior experiência de como aproveitar os momentos fugazes, ou não, de felicidade. Ambas as pessoas devido às suas experiências anteriores, conhecem bastante bem o lado do fracasso emocional, nessa medida saberão aproveitar toda a experiência acumulada para potencializar a relação presente. Aliás, sou da opinião de que duas pessoas que tenham passado por múltiplos episódios de amores fragmentados ou estilhaçados conseguirão aproveitar de forma muito melhor o amor. Ambas conhecem bastante bem o lado negativo, e nessa medida irão aproveitar ao máximo todos os fragmentos de felicidade existentes no presente.

Uma coisa que sempre me fez confusão foi o facto de eu problematizar tanto a minha vida. Acho que tenho de uma forma ou outra a perfeita consciencialização de como as coisas acontecem a nível das relações (modéstia à parte). Nessa medida estou sempre a teorizar a realidade e tudo aquilo que os meus olhos vêem no dia-a-dia. Já o contrário me faz confusão. Faz-me confusão a maneira como as pessoas vivem a sua vida de forma tão igual e estandardizada. Há pessoas que fazem a vida toda sem problematizar ou teorizar nada em relação às suas vidas. Limitam-se a vive-la de forma tão igual a toda a gente. Não que isso seja mau, às vezes também gostava de ser assim, mas realmente não consigo.
Isso pode levar a pessoas como eu, que se sintam 'anormais', a tentar levar uma vida normal, como todos os outros. Ser mais um, como os "outros".
Esta ideia de se tentar ser como os outros leva a uma total aniquilação do meu interior e a uma consequentemente perca do meu interior. Estarei a agir como os outros, serei apenas mais um, serei vitima, por vontade própria, da estandardização emocional / relacional.
A vontade e o agir querendo ser como os outros, e acima de tudo a consciencialização de ver o meu Eu a ser absorto pela maioria instituída e o compreender que estou a ser simplesmente mais um, pode levar a sentimentos de culpa. A longo prazo inclusive a sentimentos de frustração enormes numa luta entre ser Eu ou tentar ser Igual.
No caso de pessoas mais fracas, ou com maior 'background' de experiências frustradas de aniquilar o seu Eu interior pode levar até ao suicídio.
Resumindo: Ser EU é uma Merda. Gostava de ser como Vocês mas não consigo.