Tudo o Que Podia Ter Sido e Não o Fui.
Olá. Sejam bem-vindos à minha vida.
Quando morrer não deixarei grande legado ao mundo.
Da minha vida não há fotografias. Sempre detestei tirar fotos de mim mesmo, ou de situações em que estivesse envolvido. Achei sempre que conseguiria com que os meus olhos e a minha memória armazenassem a melhor imagem dos momentos que vivi, mesmo que esses fossem maus. Nada seria tão mau se tivesse apenas uma lembrança dúbia ao invés da prova fotográfica.
Da minha vida não há filmagens. Nunca gostei de ser filmado.
Da minha vida não há registos da minha voz. Nunca gostei de ouvir a minha voz. Nessa medida, nunca gostei muito de ser filmado, assim nunca seria captada a minha imagem e consequentemente a minha voz.
Da minha vida não vai restar nada a não ser alguns escritos. E, mesmo esses irão ser esquecidos, ou com o tempo irão estilhaçar-se, fragmentar-se, deteriorar-se e deixar também eles de existir, confinando assim a minha existência no mundo, e na vida, ao nada.
Nunca pedi muito à vida, mas também ela pouco me deu. Limitei-me a passar pela vida de uma forma leve e rápida, sempre a correr, a correr até aqui, até hoje, este momento, presente.
Não me posso queixar. Como, bebo, tenho roupa lavada e tomo banho a horas.
Hoje tenho 70 anos e estou num lar. Como eu estão cá muitos, cada um com o seu motivo ou razão. Uns porque não têm dinheiro e não se podem manter lá fora, outros porque se tornaram num fardo para os familiares, e outros há que estão cá porque não podem ficar sem vigilância. Cada um com seu motivo, cada um com a sua historia.
Eu também cá estou, não por estar doente, não me conseguir manter ou por ser um fardo. Não. Estou aqui porque não tenho nada lá fora e nada lá fora me mantém preso. Vim para aqui preencher o meu tempo. Dá-lo a alguém. É preciso chegar a velho para ter tempo e poder usufrui-lo. Eu tenho tempo e nessa medida aproveito-o para dedicar a outros velhos tão diferentes e iguais a mim. Cada um deles com seus defeitos e suas virtudes.
Na sala principal há um cheiro incómodo. Cheira a velhice e o que vemos é um amontoado de seres com encontro marcado com o destino. Tento conversar com alguns, tendo aprender algo com estes velhos. Alguns deles são verdadeiramente chatos, outros porém, são extremamente interessantes. Lá fora somos todos diferentes, características concomitantes da realidade, cá dentro somos todos iguais.
Para as enfermeiras e auxiliares somos mais uns. Senhora X, Senhor Y, remédio B, comida C. Alguns deles têm um ar extremamente cansado e também eles me parecem velhos. Não admira, trabalhar com idosos é complicado, às vezes somos piores que crianças. Correm do trabalho para casa, de casa para o trabalho, vão buscar as filhas à cresce, fazem jantar e ajudam os filhos nos deveres. Tema do jantar é os remédios xpto, a doente H, ou a morte Y. Não aguentam e têm de levar toda a rotina e o dia-a-dia para a mesa do jantar.
Gostava de lhes poder transmitir serenidade e a paz de espirito.
Paz que só um velho, como eu, com destino traçado pode transmitir a alguém.
Eu gostava, mas não consegui. Morri há 5 minutos. Era o paciente do quarto nr. 35.
Quando morrer não deixarei grande legado ao mundo.
Da minha vida não há fotografias. Sempre detestei tirar fotos de mim mesmo, ou de situações em que estivesse envolvido. Achei sempre que conseguiria com que os meus olhos e a minha memória armazenassem a melhor imagem dos momentos que vivi, mesmo que esses fossem maus. Nada seria tão mau se tivesse apenas uma lembrança dúbia ao invés da prova fotográfica.
Da minha vida não há filmagens. Nunca gostei de ser filmado.
Da minha vida não há registos da minha voz. Nunca gostei de ouvir a minha voz. Nessa medida, nunca gostei muito de ser filmado, assim nunca seria captada a minha imagem e consequentemente a minha voz.
Da minha vida não vai restar nada a não ser alguns escritos. E, mesmo esses irão ser esquecidos, ou com o tempo irão estilhaçar-se, fragmentar-se, deteriorar-se e deixar também eles de existir, confinando assim a minha existência no mundo, e na vida, ao nada.
Nunca pedi muito à vida, mas também ela pouco me deu. Limitei-me a passar pela vida de uma forma leve e rápida, sempre a correr, a correr até aqui, até hoje, este momento, presente.
Não me posso queixar. Como, bebo, tenho roupa lavada e tomo banho a horas.
Hoje tenho 70 anos e estou num lar. Como eu estão cá muitos, cada um com o seu motivo ou razão. Uns porque não têm dinheiro e não se podem manter lá fora, outros porque se tornaram num fardo para os familiares, e outros há que estão cá porque não podem ficar sem vigilância. Cada um com seu motivo, cada um com a sua historia.
Eu também cá estou, não por estar doente, não me conseguir manter ou por ser um fardo. Não. Estou aqui porque não tenho nada lá fora e nada lá fora me mantém preso. Vim para aqui preencher o meu tempo. Dá-lo a alguém. É preciso chegar a velho para ter tempo e poder usufrui-lo. Eu tenho tempo e nessa medida aproveito-o para dedicar a outros velhos tão diferentes e iguais a mim. Cada um deles com seus defeitos e suas virtudes.
Na sala principal há um cheiro incómodo. Cheira a velhice e o que vemos é um amontoado de seres com encontro marcado com o destino. Tento conversar com alguns, tendo aprender algo com estes velhos. Alguns deles são verdadeiramente chatos, outros porém, são extremamente interessantes. Lá fora somos todos diferentes, características concomitantes da realidade, cá dentro somos todos iguais.
Para as enfermeiras e auxiliares somos mais uns. Senhora X, Senhor Y, remédio B, comida C. Alguns deles têm um ar extremamente cansado e também eles me parecem velhos. Não admira, trabalhar com idosos é complicado, às vezes somos piores que crianças. Correm do trabalho para casa, de casa para o trabalho, vão buscar as filhas à cresce, fazem jantar e ajudam os filhos nos deveres. Tema do jantar é os remédios xpto, a doente H, ou a morte Y. Não aguentam e têm de levar toda a rotina e o dia-a-dia para a mesa do jantar.
Gostava de lhes poder transmitir serenidade e a paz de espirito.
Paz que só um velho, como eu, com destino traçado pode transmitir a alguém.
Eu gostava, mas não consegui. Morri há 5 minutos. Era o paciente do quarto nr. 35.
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